sexta-feira, 10 de julho de 2020

O beija-flor que virou canário



Olá! Nesta edição do nosso tradicional “Conto de Bambas” do Padedê, trago diversas experiências de um carnavalesco multifaces. Um pássaro versátil, como bem definiu a Presidente e Porta Bandeira Simone Ribeiro. Em uma tarde agradável na sede da Associação das Entidades Carnavalescas de Porto Alegre e Rio Grande do Sul, a AECPARS, localizada na Avenida Ipiranga, este personagem do nosso carnaval palestrou para os alunos e instrutores do Padedê do Samba.

Explicando a metamorfose do nosso enunciando, este personagem descobriu-se beija-flor (é assim que é conhecido o par da porta bandeira – o mestre sala) e mais tarde transformou-se em um canário, um dos aclamados intérpretes do Carnaval de Porto Alegre. Esta “brincadeira” com os pássaros – se deve pelas duas principais atividades por ele realizadas, que, de mestre sala passou a entoar a voz de cantor e intérprete.
Paulo Ricardo, o Pulinho Durão, como é mais conhecido, é um carnavalesco “nato”, que desde a infância permeou diversas funções no mundo do samba. Vale lembrar que estas histórias que trago para nossa coluna, tratam-se de um “guerreiro” que, entre outras batalhas, já venceu muitos carnavais...

Irmão do lendário Paulão da Tinga, ele criou e imprimiu sua própria estampa na trajetória carnavalesca, seguindo os passos do irmão no carnaval, porém o fez de forma única. No início da vida artística, investiu no bailado com a Porta Bandeira. Paulinho revive muitas histórias, das quais poderíamos escrever diversas matérias relativas a este interessante e divertido personagem real do carnaval.

Na vida de Mestre Sala, ele nos conta que era um período difícil, no início dos anos 1980: “[...]... ser um Mestre Sala ou uma Porta Bandeira era uma tarefa difícil, pois além de dançar por “amor à escola”, os destaques tinham que ‘se virar’ com a dança e quase que a obrigação de fazer a fantasia... [...]”. Ele nos conta que tentou desfilar na extinta Beija Flor do Sul, e na Imperadores do Samba, mas por diversos contratempos, iniciou de fato sua carreira no Estado Maior da Restinga. Começou na Restinga, quando esta ainda não tinha quadra de ensaios, e que com o tempo auxiliou na construção das primeiras paredes da sede social:
[...] ...lembro que quando comecei lá, a escola não tinha quadra... o Mutti conseguiu o terreno e tinha um pequeno palco, e só... era de chão batido, aquelas paredes que ficam na direita do pavilhão da sede da escola de hoje... aquela parede que fica do lado da bilheteria, ajudei a por tijolos e a virar massa... era um tempo difícil... mas fazíamos pela escola... [...]

Ao iniciar-se no bailado, em 1984... as dificuldades eram muitas, pois não havia uma referência, não havia escolas de MS&PB como existem hoje, e quem sabia, não queria ensinar. Conta que teve algumas noções dos passos com o Mestre Sala Fiapo – mas que este não sabia que Durão queria dançar, e demonstrava alguns movimentos e trejeitos exagerados em forma de brincadeira. Porém, Paulinho revela que retirava ensinamentos naquelas “brincadeiras”, porém, foi com Birolho da Cuíca que vieram as palavras que o incentivaram e que iriam mudar seu rumo:


[...] “...O Birolho me disse assim: vai, continua dançando, fazendo o que você aprendeu, vai fazendo o que eles te dizem... mas acrescenta um pouco da tua característica... tu pode copiar, mas faz os teus passos também (...) ele dizia para manter o que eles faziam, o que eu entendia e depois que eu colocasse um tempero meu... aprendi isso, foi o que eu fiz...” [...]

Ele nos conta ainda que, incentivado por Hélio Garcia (que na época Paulinho dançava com a esposa Tânia Regina), Helinho incentivava ambos a frequentar uma academia para adquirir resistência.

Outro fato hilário, que segundo ele, um dos mais inusitados de sua vida no carnaval, nos conta aos risos, e que aconteceu quando foi aprender a arte dos bordados das roupas com Plínio. O modo de aplicar o bordado era algo inusitado, e o Plinio dizia assim: “pega uma cadeira, sente-se, cruze bem as pernas, uma sobre a outra e ‘deita’ a roupa sobre a perna... bem assim!’ (risos).

Quando parou de “furar sapatos” expressão dele, o versátil pássaro passou a vida de canário... Seguindo o exemplo do irmão Paulão, Paulinho sempre que podia, investia sua voz potente cantando sambas na Quadra, em intervalos dos ensaios. Em 1994, eis que ele assume o microfone oficial do Estado Maior da Restinga, e neste ano é campeão do carnaval. Conta que no ano seguinte as dificuldades foram muitas, chegando inclusive a vestir a Harmonia da Escola com camisetas compradas nas lojas Mesbla (foto). Outro reconhecimento ligado à sua imagem, se deve ao famoso grito de guerra nas arrancadas da Escola, o “Tinga teu povo te ama!” de autoria do presidente Ribeiro e entoado também por Paulão, mas que ficou famoso em sua voz.

Há de se perceber a presença constante junto à Paulinho de Nara de Xangô, ele sempre recorre a esta para contar seus feitos, datas e acontecimentos. Uma memória privilegiada de Dona Nara de Xangô, que é sua irmã, que faz a vez de mãe, segundo ele; um anjo bom que zela e que cuida de sua saúde.

Enfim, foi uma tarde muito divertida e informativa, tende ele um muitas experiências, acrescentamos assim um vasto aprendizado e muitas histórias que cercam este grande carnavalesco que escreveu nas páginas do carnaval gaúcho seus talentos artísticos, indo do complexo mundo da dança ao dinâmico e concorrido universo musical, e que segue a ecoar a sua voz, potente e inconfundível...

Texto original de setembro de 2014. Site Setor1, Coluna Ouvindo Histórias, textos e entrevistas de Ramão Carvalho.

O Padedê do Samba presta esta singela homenagem ao beija-flor que virou canário e agora é uma estrela a cintilar e a brilhar no céu!

Arquivos.
Foto1: Palestra de Paulinho Durão no Padedê – Fonte: Ramão Carvalho.
Foto2: Paulinho e Tânia Regina – Restinga – 1986. Fonte: Arquivo pessoal.
Foto3: Harmonia Musical do Estado Maior da Restinga – 1995. Fonte: Arquivo pessoal.


Texto e imagens: Arquivo Reprodução Padedê® do Samba. 

sábado, 8 de dezembro de 2018

O conto de Bambas da bailarina negra...




Esta edição do tradicional “conto de bambas” do Padedê do Samba foi pra lá de especial! Numa tarde de sábado, dia primeiro do mês de dezembro do ano de dois mil e dezoito, a Diretora Iara Deodoro do Projeto Sócio Cultural nos recebeu em seu espaço conhecido por Afrosul Odomodê, que fica na Avenida Ipiranga, 3850, Bairro Praia de Belas, cidade de Porto alegre.
A professora Iara iniciou a sua fala, dando as boas vindas e apresentando o equipado espaço cultural, dispondo do lugar e esclarecendo que ali é uma casa que foi construída e pensada para agregar a nossa cultura negra, as manifestações culturais de características afro-brasileiras de forma mais acolhedora, com liberdades de expressão e manifestação.

Ela nos esclarece que foram muitas histórias, até chegar no carnaval, foram 44 anos dedicados a dança. Conta-nos que a dança sempre circulou a sua vida e que ela sempre foi a sua paixão. A dvinda de uma família de poucas possibilidades, se tornou órfã de pai com quatro anos, e sua mãe lutou muito para criar as três filhas... “eu era a caçula, a paparicada, a que recebeu as melhores possibilidades, minha mãe conseguiu uma bolsa de estudos no colégio Santa Inês. Lá existia uma escola de danças no contra-turno, o que me interessei e ingressei...”

Iara nos conta que ela ficou fascinada com o grupo, pois eram encenadas danças folclóricas do mundo todo, mas que, logo a sua inquietude e espírito crítico a fizeram perceber que as danças africanas não estavam ali representadas, e, intrigada com esta lacuna, mesmo estando no mundo fascinante da dança, não se sentia ali representada... Foi então que mais tarde conheceu um colega negro de um outro grupo de danças que existia  na escola Anchieta, porém este colega fazia parte da banda da referida escola, e, ambos confabulando, concordaram com a invisibilidade e falta de valorização da cultura Afro.

quando a gente se encontrava, falávamos muito sobre isso... e no mesmo ano de 1974, ele fundou a Banda Afro Sul, e foram competir num festival estudantil no colégio do Rosário... lançaram-se num desafio, e, mesmo sabendo que não tinham condições de ganhar, visto que a letra da música era muito audaciosa para a época, muito questionadora... mesmo assim intentaram... e pediram pra gente fazer a coreografia, formando também o Grupo de Danças Afro Sul... e de lá pra cá, não paramos mais, este ano de 2018 completando 44 anos...
Aprendi muitas coisas ao longo destes anos, pesquisei bastante, tudo começou com a minha professora de danças, que mesmo não tendo muita experiência ou conhecimentos da dança Afro, me deu muitos conselhos, e uma lição grandiosa, a qual eu levo para toda a vida, ensinamentos sobre como “escrever coreografia”, e também de como construir uma coreografia com o que você viu, ouviu, enfim isso me ajudou muito... transformar em movimentos as informações recolhidas...eu lia, e imaginava o que poderia ser feito...

Existem episódios cômicos e engraçados de onde eu ‘tirava os passos’, por exemplo, assistia aos filmes do Tarzan, e nestes filmes sempre aparecia uma tribo africana, e sempre tinha dança, eu observava os movimentos, e tinha a sorte que os filmes repetiam bastante, mesmo sabendo depois que não era na África, mas em Hollywood, mas que era uma pesquisa... observava aqueles movimentos e adaptava e criava outros, tanto é que hoje e m dia, a minha dança afro se tornou uma dança característica do sul do país... porque se olhares a dança na Bahia, no Rio de Janeiro, São Paulo e comparar com a nossa, haverá peculiaridades, ‘são os sotaques da dança’...

Ela nos esclarece ainda, que sempre se dedicou a dança afro, e foi assim por muito tempo. Nos anos 1980, os seus amigos e parentes próximos resolvem reativar a Escola de Samba Garotos da Orgia, que foi a escola que deu origem ao Acadêmicos da Orgia. Foi um tempo de muitas transformações, ela nos comenta que foi desafiador, pois se tornou um clã somente de homens, com o desafio de “por a escola na rua”. Ela lembra aos risos de que se preocupavam só com a bateria, que pouca importância davam para os outros setores e departamentos da escola. Foi quando Iara se dispôs ser a porta bandeira, e que foi impedida por puro preconceito com a sua estatura, onde alguém diz: “você não pode ser a porta bandeira, porque você é muito baixinha”.

Quando se fala em Iara Deodoro também estamos falando em espiritualidade, em maternidade, em fraternidade... em Carnaval! Iara desenvolveu todas as funções em uma escola de samba: pesquisadora de tema enredo, coreógrafa de alas e comissão de frente, porta bandeira, tesoureira, presidente, costureira, aderecista, figurinista... Formou grandes destaques e com eles presenteou o carnaval. Referência na dança afro no RS, é a grande matriarca do Grupo Afro Sul, que hoje já está na sua quarta geração ao longo de seus 44 anos de existência. "O perfume dela vai onde seus pés ainda não chegaram..." (Edjana Deodoro,  filha de Iara Deodoro). Depoimento de Gugu Lacerda via rede social.

Depois da desfeita de seu sonho de portar a bandeira do Garotos da Orgia, ela nos conta que se envolveu e ajudou em todos os departamentos da escola, foram aos poucos organizando as atividades, e elencando o que cada setor precisava, dispondo de muitos elementos do Grupo Afro Sul, como comissão de frente, os passistas. Os ensaios começaram e o tempo foi passando e não se resolvia a questão do casal de mestre sala e porta bandeira. Foi então que os dirigentes da escola a procuraram e pediram para que ela fosse a porta bandeira, e ela aceitou. Iara nos conta que começou a dançar e ensaiar com um menino de doze anos, no segundo ano ela dançou com o mestre sala Deja (já falecido), mais tarde ela nos conta que:

“...foi quando encontrei meu grande e verdadeiro parceiro de dança com a bandeira, que era o mestre sala Osmar, que era bailarino, era do grupo, trabalhava direto com dança, e foi um período maravilhoso, porque nós inventávamos coisas novas, passos, coreografias... nos entendíamos no olhar, não precisávamos combinar nada... ele era uma pessoa maravilhosa por dentro e por fora... a gente tinha a consciência de que a dança daquela época era mais solta, diferente da rigidez e do protocolo a seguir que existe hoje, a gente tinha a liberdade de executar passos e coreografias, claro, sempre respeitando o pavilhão, mas era um tempo mais livre, havia mais liberdade na dança, podia-se explorar melhor a dança... era muito mais fácil de lidar com a situação...

Depois dos trabalhos realizados na Escola Garotos da Orgia, estava criada também a Ala Afrosul que desfilou em muitas escolas de samba. Teve ano que a ala desfilou em 18 escolas no mesmo carnaval. Espetáculos, apresentações das mais diversas o grupo Afrosul se insere, uma vez que é um dos únicos, legítimo representante e dedicado exclusivamente para as danças afro-brasileiras. Iara nos conta que foram anos de puro divertimento, onde faziam as fantasias, adereços, vez em quando conseguiam o tecido para a confecção da ala.

[...] “Hoje apresentei meu TCC I intitulado IARA DEODORO: A CRIAÇÃO DE UMA METODOLOGIA EM DANÇA COMO RESISTÊNCIA DE UMA CORPORALIDADE NEGRA NO RIO GRANDE DO SUL, onde eu trago esse processo de investigação e análise sobre como a mestra Iara desenvolve e sistematiza esse conhecimento em dança afro. [...] trazer a trajetória da Iara é reafirmar mais uma vez a potência das mulheres pretas do meu povo, é trazer a história de uma comunidade que resiste para manter a cultura do povo preto viva nesse território. Gratidão Iara por me permitir contar um pouco dessa tua caminhada Iara Deodoro”[...] Natália Dornelles em sua rede social

A professora Iara nos conta que foi realizado recentemente pelo Afrosul o Espetáculo “Reminiscências”, para lembrar, resgatar e comemorar estes espetáculos e para homenagear a todos estes desfiles realizados pelo grupo, numa forma de manter viva a memória, pois ela nos salienta da importância de registrar os momentos, as festividades, os acontecimentos, precisamos valorizar a nossa história.

As pessoas não dão importância para o que realmente é o carnaval. As pessoas não se dão conta disso... se a gente avaliar e pensar nos temas e enredos que as escolas desenvolvem, são aulas lúdicas, uma aula de história, uma aula cultural... precisamos prestar atenção nestes aspectos, nosso carnaval gaúcho não fica aquém de outros carnavais do Brasil... precisamos prestar atenção nisso... os ensinamentos contidos ali são de muita importância... por exemplo, as aulas do Padedê, que faz um trabalho de responsabilidade, uma vez que forma profissionais do carnaval, formando pessoas, formando artistas, formando pessoas críticas... o dançar, ao meu ver, é algo natural, se procura o curso porque se gosta, porém, penso que se deve aprender outras coisas além de dançar, pensar e olhar o carnaval como um veículo cultural... precisamos pensar nisso... o que faz uma comissão de frente? ...o que faz um passista? ...o que faz uma porta estandarte? ... o que faz uma porta bandeira? ...e um mestre sala? A dança!

Iara nos deu dicas preciosas para os que dançam. Os bailarinos e dançarinos, devem procurar se aprimorar, fazer outras modalidades da dança, outros ritmos. Ela nos diz que há elementos de outras culturas que podem ser inseridos nas danças do carnaval, como a dança afro, indígena, cigana podem ser agregadas às coreografias. Ela nos diz também que se preocupa com esta “padronização da dança” inquirida pelo carnaval da atualidade, onde, sabiamente nos dá sua opinião do que vê atualmente:

São coisas que percebo... a grande maioria das pessoas está cumprindo o que pede o quesito, exatamente o que está escrito, o que é pedido, não se preocupam com a finalização, com a limpeza do movimento... você não vê mais a dança que emociona, tu verifica que todos e todas giram para um lado, giram para o outro e cumprimentam os jurados e deu... parecem todas as mesmas, a dança não existe, o que existe ali é só o movimento... penso e me atrevo a dizer, que a dança seja fundamental para caracterizar e diferenciar um do outro, para não ser uma mesmice, senão vai perder a essência... porque se não vai ser julgado e apreciado apenas a diferença das vestimentas e da fantasia... é preocupante esta ‘padronização’ dos movimentos, a dança precisa estar presente...

As dicas seguem durante sua experiente fala, desvelando segredos dos movimentos, da importância do figurino para executar a dança, uma vez que se ensaia o ano todo com roupas levez e no dia do desfile as fantasias são volumosas e pesadas. Pensar a estrutura da fantasia. A técnica deve acompanhar a dança e a disposição cênica deve ser pensada. O dançarino deve ter pensamento crítico para a melhoria da dança, ouvir os mais velhos e outros profissionais para alcançar um patamar de profissional da dança do carnaval, ter em mente que deve melhorar sempre, pois todos precisam ter este sentimento, de melhorar, aprimorar, mesmo o nosso carnaval estando em crise.

Quem dança no carnaval atualmente tem que gostar muito! Uma coisa é certa, não pode desanimar, se tu gosta mesmo disso, é esta cultura que quer se dedicar... Acredito que o mais importante disso tudo, é ter a consciência de que é isso realmente o que se quer... é uma missão, uma ousada missão de levar adiante esta arte... acho importante as trocas culturais, de uma integração com outros grupos, desenvolver outras técnicas de aulas, a própria escola Padedê pode proporcionar isso, apresentações temáticas, participar de festividades... vejo também que o nosso carnaval está encolhendo e formando mais profissionais que o carnaval comporta... A dança é uma terapia, ela mexe com seu estado físico, emocional... para nós negros é a nossa história, a dança é de suma importância, a comunicação, a religião e todas as cerimônias são regidas pela dança... é da raiz, é uma herança sagrada que herdamos... por isso acho de suma importância manter e reviver estas manifestações... precisamos resistir, reagir, não desistir, não deixar a nossa essência morrer...

Ela finalizou dizendo que o artista do carnaval tem que aprender e saber que as dificuldades são imensas no atual contexto e que devem, os bailarinos, dançarinos, coreógrafos e todos os demais profissionais do carnaval buscar resgatar o respeito e a credibilidade do nosso carnaval, que está desacreditado atualmente, mas que possui muitas riquezas humanas. “as pessoas estão sem a responsabilidade que assumem”... Iara acredita que devam ser pensados os acordos, contratos e, principalmente a palavra empenhada, os artistas devem ter reconhecimento, mas também cumprir com suas atividades da melhor forma. Enfim, foi uma tarde muito proveitosa! Os alunos puderam ter uma conversa franca e direta com esta professora, bailarina, coreógrafa, porta bandeira, dirigente e baluarte do nosso carnaval com uma intimidade jamais vista!

Pedir pra eu falar da Tinha (Como chamamos ela) é a mesma coisa que falar de uma segunda mãe. Além de ela ser responsável pela minha formação em dança ela também cuida de mim e me aconselha na vida pessoal e profissional! Ela sempre acreditou na minha capacidade e na capacidade dos demais bailarinos. Ela é uma pessoa atenciosa, detalhista, exigente, mas com um coração enorme, um conhecimento da nossa cultura afro gaúcha e da nossa religião fora do normal. Tá sempre disposta a ajudar qualquer pessoa que lhe procura seja para pedir conselhos ou apenas um abraço! Sou grata a Tinha por tudo que ela faz e fez por mim! Amo fazer parte da família Afro Sul! Gisele Mendonça via rede social.

Em nome da Escola de Mestre Sala, Porta Bandeira e Porta Estandarte Padedê do Samba, queremos te agradecer Iara Deodoro! Pelas lições, pelos ensinamentos, pelas experiências reveladas e por nos proporcionar suas vivências que servirão para o nosso crescimento artístico, profissional e pessoal. Ficamos honrados com esta aula-palestra. Muito Obrigado!!!

NOTA: importante registrar que neste Espaço do Afrosul/Odomodê foi abrigo para a fundação da UDESCA – União dos Destaques do Carnaval, logo, foi o embrião para o surgimento do Padedê do Samba... este assunto será pauta para outro texto. Até lá!
Ramão Carvalho.


Para saber mais...

NETO, Manoel Gildo Alves; SILVA, Suzane Weber da. Enfatizando o gesto numa pesquisa sobre a memória da dança Afro-Gaúcha. V Congresso Nacional de Pesquisadores em Dança. Manaus: ANDA, 2018. p. 466-481. Disponível em http://www.portalanda.org.br/anaisarquivos/5-2018-4.pdf

MARTINS, Camila Cardoso Coronel. Memória e negritude: o grupo AFRO-SUL/ODOMODE como referência da cultura imaterial de Porto Alegre, RS. 2016. https://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/157380 


SILVA, Natalia Souza da. Bloco Afro Odomode no Vinte de Novembro: celebração e resistência negra nas ruas de Porto Alegre, RS. 2017.  https://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/177713

sexta-feira, 15 de junho de 2018

Retorno das aulas 2018


Padedê do Samba, o retorno às aulas em 2018.

O Padedê do Samba retomou as atividades de 2018 em grande estilo.  Como de costume, a escola de Mestre-Sala, Porta-Bandeira e Porta-Estandarte Padedê do Samba, filial gaúcha da Escola Manoel Dionísio do Rio de Janeiro, realizou a sua volta às aulas com diversas atrações. Além de toda a atmosfera da retomada às aulas da envolvente dança nobre do samba, somaram-se a este, a vinda da porta-bandeira Danielle Nascimento, filha da lendária Vilma Nascimento da Portela e também a porta-bandeira da Escola vice-campeã do carnaval carioca. Outra atração foi a presença ilustre de Carlinhos Brilhante, famoso mestre-sala, campeão do célebre enredo “Kizomba” da Unidos de Vila Isabel do Rio de Janeiro.

“[...] todos os anos a na nossa primeira aula, a gente traz alguém reconhecido, pra começar o ano com força total, para a energia ir lá em cima... sempre procuramos trazer pessoas e artistas ligados a dança nobre do carnaval, também nos preocupamos em envolver pessoas que tenham a mesma didática e a mesma preocupação com os fundamentos e tradições da nobre arte... e neste encontro não poderia ser diferente, trouxemos Danielle e seu Carlinhos, uma vez que eles tem uma grande bagagem e conhecimentos... os alunos ficaram numa grande expectativa com eles, foi uma aula maravilhosa... foi muito importante para os alunos tomar conhecimentos e experiências, tenho muito a agradecer a eles, nós do Padedê estamos muito felizes![...]” Simone Ribeiro, presidente do Padedê do Samba.

“[...] Quero dizer que estou surpresa com o que vi aqui, vocês estão de parabéns pelo trabalho realizado aqui em Porto Alegre, não desistam nunca, mantenham isso... a minha mãe [Vilma Nascimento] sempre disse, mesmo com toda a sua história e seu saber, ela sempre dizia ‘que se aprende um pouco todos os dias’, ela dizia que ia viver a vida toda e ainda ia apreender... Foi lindo, valeu a pena a participação aí! ... foi mágico, foi incrível![...]” Danielle Nascimento, 1ª porta-bandeira da GRES Paraíso do Tuiuti.

“[...] ...estou me sentindo um rei! Sinceramente! Muito bom! Oh gloria! Quero agradecer a todos aí do projeto, seus alunos são maravilhosos, as meninas são lindas! ...vocês são muito carinhosos, atenciosos, seus alunos são muito dedicados, parabéns! Esta ida para Porto Alegre foi muito bom! Eu Gostei! Muito Obrigado! [...]” Carlinhos Brilhante, Mestre-Sala.

            Para os alunos do Padedê do Samba a experiência foi importante, uma vez que os convidados cariocas trazem muitas novidades e informações relevantes, além é claro da benéfica e salutar integração que aconteceu com todos os participantes ali, o que acrescenta muito para o coletivo.

“[...]a nossa primeira aula de 2018 foi um momento especial pois com todas as controversas do nosso Carnaval e o frio mostramos que a União faz a força e que o Amor pela dança sempre irá falar mais alto... Alunos , Professores, Palestrantes e visitantes nesta tarde tornaram-se um só”[...]” Tatiane Guedes, Porta-estandarte.

“[...] nossa primeira aula foi um espetáculo! Poder rever os amigos e dançar, é isso que me fortalece e quando eu cheguei e vi tanta gente, eu fiquei feliz porque só nos mesmos pra resistir e para fortalecer o nosso carnaval [...] e vendo aquele senhor de tão longe ali dançando e dando todas as dicas, eu vi e entendi que se nós abaixar a cabeça e dançar... nunca querendo ser mais que os outros, senão o nosso esforço e nosso carnaval vai pra água abaixo [...] vi os olhos dos nossos instrutores brilhando isso me deixou muito feliz! Eu fico grato por estar nesta equipe maravilhosa! [...]”. Luciano Batuta, mestre-sala do Estado Maior da Colina de Guaíba.

“[...] a aula de sábado foi muito especial, pois além da participação da grande porta Bandeira Danielle Nascimento e de seu Carlinhos Brilhante, há esta energia e a vontade que nos dão uma motivação para continuar a aprimorar a nossa nobre arte e fortalecer nosso carnaval...[...]” Ana Tarragô, porta-bandeira.

Somou-se a esta volta a vinda de uma delegação de carnavalescos da cidade de Montevideo do Uruguai, lideranças, mestres-salas, porta-bandeiras, porta-estandartes e uma comitiva de percussionistas para conhecer o projeto e trocar experiências, para todos foram experiências enriquecedoras, pois ficou evidente que a dança nobre do carnaval extrapola fronteiras e motiva pessoas a viajar por muitas horas para estar em contato e conviver e com esta expressão cultural que é a dança nobre com os pavilhões do carnaval.

As agremiações uruguaias, lideradas pela carnavalesca Niuza Clasen da Silva, uma brasileira que vive no Uruguai, que teve a ideia de fazer um intercambio cultural, reuniu interessados de outras escolas de samba de Montevideo e partiu rumo a Poro Alegre para participar da aula do Padedê do Samba, com o intuito de melhorar o conhecimento da dança e para proporcionar momentos de aprendizado para sua gente. Coletei o depoimento de alguns participantes, pois notei que estavam com um sorriso radiante de satisfação durante as aulas e na integração do grupo.

“[...]...a gente quis fazer esta integração, este desejo para nós, mesmo sendo estrangeiros, de querer continuar a cultivar esta bandeira do samba, e dizer que foi muito importante para o pessoal do Uruguai esta troca de informações e aprendizado [...] considero este projeto magnífico, e Padedê e Simone Ribeiro nos possibilitaram esta oportunidade de trazer informações para os casais de mestre-sala, porta-bandeira e porta-estandarte além das fronteiras do Brasil... que desde já agradeço! [...] a ideia é de manter e continuar com esta parceria e intercâmbio, para qualificar os nossos profissionais, e melhorar o espetáculo aqui no Uruguai. Aprendemos muito, da importância destes quesitos para uma comunidade carnavalesca [...] meu desejo é de trazer o Padedê do Samba para Montevideo, para oportunizar este aprendizado a quem não conseguiu ir praí... que perderam esta maravilhosa aula [...] o pessoal que participou, voltou muito animando daí, com muitas ideias e muito feliz[...]” Niuza Clasen da Silva, Responsável pela delegação dos carnavalescos do Uruguai. Assessora do Gerente de Eventos da Prefeitura de Montevideo. Palestrante e julgadora de desfiles de Escolas de Samba em Maldonado y Flores, membro do CETE e da Escola de Samba Bambas da Costa de Ouro de Canelones.

“[...]Obrigado au padede por a invitacao pro curzo foi o maximo foi belo ver cuanta dedicacao pra encinar cuanta humildade do pesoal gente bela culta humilde de bom corazon a verdade me senti em familia obrigado de corazao espero poder encontealos de novo muinto pronto beijos a todos vou vacer o imposivel pra poder traerlo  pro uruguay...[...]”. Rosa Pintos, presidente da Escola de Samba Viramundo, Montevideo, Uruguai.

“[...]Estuvo increíble la verdad que una experiencia inolvidable y que mi encantaría se pudiera repetir muchas veces mas! Quede más que feliz y encantada con todo el contenido que nos brindaron para enriquecer Nuestro conocimiento...[...]” Cynthia Raña Vallejo, porta bandeira da GRES Asa Branca, Montevideo, Uruguai.

“[...]Hoy leí mi horóscopo y decía “están pasando cosas extraordinarias en tu vida que ni cuenta te estás dando” y fue ahí que inmediatamente pensé en la experiencia con Padedé... Pensar que lo que empieza como locura y apoyo de gente tan sencilla te puede hacer ir a lugares que ni lo tenías previsto. Pero de a pasitos se va llegando y considerando esta experiencia como uno de estos pasitos, me encantaría agradecerles a la gente que nos recibió tan cálidamente como pudieron... Lo hemos aprovechado tanto, en particular yo, al extremo de sentir el cuerpo dolorido pero el corazón contento... Muchas gracias por en esos pares de horas compartir esas experiencias y sabidurías de la mejor manera. Esta experiencia me hace pensar que vale la pena realizar kilómetros para conocer esa buena energía. Nos estamos viendo, a las órdenes compañeros de Padedê, los esperamos en Uruguay...[...]” Andres Aquino, mestre-sala da GRES Imperatriz de Montevideo, Uruguai.

“[...]Una experiencia única compartida con todos estos compañeros de diferentes escolas sin importar la camiseta, aprendimos muchas cosas que nos van a servir para crecer en todas las comunidades... muy felices volvemos x mas viajes así.  Gracias a la Escuela Padede por abrirnos las puertas y enseñarnos todo lo que saben!!!!!!!!! Quiero agradecer a Niu Clausen da Silva sin vos esto no se podría haber hecho!!! Hasta la próxima compañeros Salud!!!!![...]”. Maite Soñora Machado, porta-bandeira da Escola de Samba Viramundo, Montevideo, Uruguai.

                A aula de sábado transcorreu com muito entusiasmo e atenção, visto que alunos gaúchos(brasileiros) e uruguaios, estavam atentos aos convidados cariocas, que deram importantes lições da nobre dança, com técnicas de movimentos, dicas de postura e gestual, enfim, uma tarde muito produtiva e agitada para todos os participantes. No domingo, 10 de junho, houve o encontro didático/teórico, onde os convidados cariocas falaram de suas trajetórias, de suas experiências de desfiles e situações inusitadas, ampliando o conhecimento dos participantes. Também falaram do quesito e seus desdobramentos de julgamento.

                O retorno às aulas foi realizado em grande estilo, a quadra da Academia de Samba Praiana, gentilmente cedida por Jacira Costa, foi palco para uma emocionante aula, onde instrutores e convidados, alunos e público em geral, puderam conviver e trocar preciosas experiências, além da dança que envolve a todos que participam, tanto é que, teve uma hora em que Onira Pereira, uma sumidade na arte de bailar com o estandarte, saiu da assistência, portou um dos estandartes do Padedê e saiu dançando... bailou entusiasmada ao aplauso acalorado dos que a assistiam... como disse a presidente Simone Ribeiro no encerramento, foi a maior prova de que a aula estava digna de uma grande recomeço de ano, para iniciar com chave de ouro, com muita energia boa e positiva!

Feliz 2018!
1, 2, 3... Padedê!!!
Texto: Ramão Carvalho

Fotos da aula em: https://www.facebook.com/media/set/?set=a.978125625679894.1073741875.296142220544908&type=1&l=f0b1514e28 

quarta-feira, 9 de agosto de 2017

Conto de Bambas com Tania Nara

CONTO DE BAMBAS

Na foto Tânia Nara e Rudnei Santos.

Tânia Nara Silveira da Silva, de Porta Estandarte a Diretora.

O tradicional Conto de Bambas do Padedê do Samba teve mais uma edição que aconteceu no dia cinco de agosto de 2017 na Casa de Cultura Mário Quintana em Porto Alegre.

Vale lembrar que o quadro “Conto de Bambas”, atividade criada na Escola matriz, Manoel Dionísio do Rio de Janeiro, é considerada de suma importância na formação dos novos destaques, onde são apresentados aos alunos, ícones e personalidades, com grande expressão na história do carnaval gaúcho e que trarão suas vivências e experiências para contribuir no aprendizado dos postulantes ao estrelato.

A personalidade escolhida foi a ex-Porta Estandarte Tânia Nara Silveira da Silva que desfilou por mais de uma década no Império do Sol e na Academia Samba Puro. Ela nos conta que iniciou na Escola de Samba Os Dragões[1] de São Leopoldo[2] como desfilante, sempre almejou e desejava ser uma Porta Estandarte... Achava difícil e quase impossível se tornar uma, pois os tempos eram difíceis e as dificuldades de acesso à dança eram gigantes. Nos conta que o mais próximo que chegou, na época, foi participar de um grupo de tradições gauchescas a dar os seus primeiros rodopios.

Ela então comenta que tinha uma ideia fixa: “eu quer ser a porta estandarte da escola”. Era um desejo muito distante, enfatiza; então Tania traça uma comparação para incentivar aos alunos do Padedê, para dar valor e importância às aulas e para as lições dos instrutores:

“[...]... hoje vocês tem todos os recursos, antigamente não tínhamos nada, nenhuma tecnologia, não tinha celular, filmadoras, internet, YouTube, era tudo muito difícil, os que sabiam um pouco, naquela época, não eram acessíveis... não se ensinava ser uma porta bandeira ou uma porta estandarte... [...] ...hoje há mais facilidades, e também vocês estão dispondo de uma excelente aula, com os instrutores e professores dando dicas e dizendo o que é o certo, o que não é... por isso, aproveitem estes preciosos ensinamentos, pois quando comecei, isso não existia...[...]”

Tania conta que muitas eram as dificuldades quando em 1988 fundaram na Sociedade Rio Branco a Escola de Samba Império do Sol, e que os amigos que ali se juntaram, foram realizando, cada qual como podia, com suas afinidades e desejos; “...eu me tornei a porta estandarte, Silvio de Oliveira o Mestre de Bateria... e assim por diante...”. Conta que teve grande e primordial ajuda do carnavalesco Wilson de Oliveira, que a incentivou a assistir os ensaios em Porto Alegre, “vai nos ensaios do Força e Luz, dos Bambas da Orgia...” dizia ele, e lá se foram... ele dizia para ela prestar atenção nos movimentos, nos trejeitos, na postura, giros e tudo mais... ela ia registrando tudo na memória, para depois chegar em casa e repassar tudo. Com isso passou a admirar muito Onira Pereira e Rosalina Conceição, que passaram a ser suas inspirações.

Admirava muito as vestimentas das guardiãs dos estandartes, e almejava ter aquelas lindas fantasias, com extravagância de cores, de mangas bufantes, das saias bem armadas em muitos metros de filó... suas primeiras fantasias foram mais simples, e seu primeiro desfile foi muito tenso, ela explica que tinha a coragem, mas lhe faltava a experiência de pista, de desfile, o que refletiu em uma nota não tão boa, mas era o primeiro ano da escola, e num todo as notas não foram boas... então ela se saiu na média.

No segundo ano de desfiles dela e da escola Império do Sol, mais um ano difícil... mais uma nota longe da máxima. Ela pensativa exclama: “... não vou desistir, pois é o que quero, então preciso melhorar...”. Com esta ideia firme no pensamento, ela procurou por mais uma ajuda, e encontra na Porta Estandarte Narciza Medeiros incentivo para evoluir no gestual e também articulou uma fantasia mais bonita e de melhor efeito. Ela nos confessa que utilizou de uma grande estratégia: pediu e exigiu do marido, então presidente da escola, que não queria mais presentes, de aniversário ou de outras datas festivas, queria sim que reservasse o valor de todos os presentes em uma magnífica fantasia. Eis que ela conseguiu! Ganhou uma majestosa fantasia, aprimorou a dança e... finalmente tirou a nota 10!

Conta que foi uma trajetória cheia de percalços, as dificuldades seguiam, pois se por um lado, antigamente não se exigia tanto dos destaques, não havia centros de formação, escolas, cursos que balizassem o ensino e as normativas sobre a dança da porta estandarte, assim como a da porta bandeira ou a do mestre sala... mas a cada ano, procurava acrescentar mais algo na bagagem para servir de “trunfo” para alcançar as notas, visto que no carnaval leopoldense é tradição a porta estandarte ser quesito, contando os pontos para o campeonato das escolas.

Dançou no Império do Sol até 1999[3], e no ano 2000 teve uma rica experiência, quando foi portar o estandarte da Academia de Samba Puro, onde foi muito bem recebida pela comunidade, teve na pessoa do Mário Jeferson Pinheiro, que a levou para a escola, um grande aliado, que apresentou o povo da “Maria da Conceição” para ela... e nos conta que foi um ano fantástico...

Tania ainda aconselha os presentes de que nesta época em que ela era um “destaque que dançava”, era um outro tempo, em que era comum uma ajuda de custo, os cachês, e que agora, neste triste período de crise financeira que está assolando o país, quem está pagando a conta é a cultura como um todo e o carnaval com mais penar. Ela acrescenta que é preciso se reinventar, que os destaques tem que rever a sua posição e que não se pode viver, muito menos achar que vai “lucrar” com o carnaval.

“[...]... dancem pelo prazer de dançar, sejam vaidosos, andem bem vestidos, é isso que o povo quer ver, destaques bem vestidos, orgulhosos de seus pavilhões, de suas escolas, altivos, cabeça erguida... mas estudem, nunca deixem de estudar, adquirir conhecimentos, ser ‘alguém na vida’... tenham profissão, não dependam de dinheiro de Escola de Samba [...] ...dá para conciliar as coisas, tem e teve muito destaque que dançava, trabalhava e estudava e deram conta, hoje estão formados... sigam este mesmo caminho, não esperem só pelo carnaval, pois ele está em crise e sem dinheiro...[...]”

A ex porta estandarte, hoje diretora da Escola Império do Sol, acrescenta com sua experiência de que estes tempos difíceis devam ser compreendidos como um desafio a ser vencido e que só será se tiver união e “amor à camisa” de sua escola. Salienta o trabalho árduo de manter sua escola, da difícil tarefa de explicar a falta do ‘cachê’ individual, pois as escolas não dispõem mais de nenhuma ajuda financeira do poder público:

“[...]...dou graças de poder ter dançado em um tempo mais favorável que hoje, que vivi um carnaval diferente de hoje, 12 anos dançando no Império do Sol, que é uma escola consolidada sim, mas porque todas as pessoas que estão lá, ou que por lá passaram, ajudaram e contribuíram para que ela seja o que é hoje, mas sabemos que não se pode parar, aliás o samba não pode parar, senão morre... a nossa preocupação é constante, pois o assombro deste carnaval, fato de o Grupo Prata não ter desfilado em 2017 ainda é muito presente... [...] portanto concluo que esta juventude e todo os carnavalescos da atualidade devem compreender que não estão isolados, que não se faz desfiles e ensaios só com a porta estandarte, ou só com o passista, ou intérprete, e sim o todo, teremos que encarar os fatos de frente; da total falta de recursos e agir com criatividade para ‘driblar’ esta crise financeira... este é o desafio para todos nós que amamos esta cultura chamada carnaval![...]”

Concluiu enaltecendo o trabalho do Padedê do Samba, na pessoa de Simone Ribeiro e de todos os instrutores, pais e colaboradores. Incentivou aos alunos a manter o foco na dança, na postura, não desistir nas primeiras dificuldades, seguir os ensinamentos e trabalhar o corpo e a mente. Aproveitar os melhores recursos deste espaço, para aprender, fazer amizades, conhecer as pessoas, as autoridades, enfim, um espaço de aula, de convívio, de experiência. Finalizando ela diz: “[...]... agradeço imensamente o convite do Padedê, de poder estar neste magnífico espaço de aprendizado, onde vocês estão perpetuando as raízes da tradição do carnaval... muito, muito obrigada![...]”

Após a fala das vivências de Tânia, outro convidado trouxe suas experiências, é Rudnei Costa dos Santos, Diretor de Harmonia do Tuiuti, onde conduz e trabalha com casais de mestre sala e porta bandeiras, desenvolvendo a guarda e a apresentação destes. Conta que conheceu Simone e Tiriri no Rio de Janeiro, quando eles dançaram em algumas escolas cariocas, onde Rudnei os conduziu.  Começou salientando que há muitas e grandes diferenças nas realidades dos carnavais gaúcho e carioca na questão do casal de mestre sala e porta bandeira, e que, não convêm comparações. Porém ele ressalta que há alguns aspectos que são preponderantes e que vale salientar e dizer:

“[...]...vocês tem que se cuidar, porque vocês são a ‘cara’ das escolas que estão, por isso se cuidem, vocês são figuras públicas, não devem se expor, devem zelar pela postura, cuidar com o que postam nas redes sociais, não se envolver em confusões, fofocas, intrigas, bobagens escritas, pois isso dá uma grande repercussão e age negativamente contra você na hora de ser escolhido para ser e compor o casal de uma escola... isso é muito importante, prestem bem atenção nisso...[...]”

Rudnei comentou das atribuições de um mestre de cerimônias, que é a de conduzir o casal pela quadra e nos compromissos da escola, é ele quem leva e cuida do pavilhão quando o casal não está dançando, que apresenta o casal para as autoridades e que baliza o deslocamento durante a apresentação. Importante lembrar que o mestre de cerimonias deve estar bem vestido e ter uma atuação discreta, não deve ser espalhafatoso, tentando roubar a cena do casal e do pavilhão, e que muitas vezes pode atrapalhar a desenvoltura do casal.

Ele volta a salientar da importância da postura do casal, sendo um dos requisitos vitais, e que ele reforça constantemente com os casais que ele trabalha;

“[...] casal que se prese, não vai de bermuda e de chinelo para os ensaios das escolas de samba, também, se estiver dançando, não devem levar o pavilhão para ser saudado e beijado por quem assim estiver vestido, ou fumando, ou bebendo, ou de boné, ou de chinelos e bermuda... no máximo se apresenta de longe a bandeira e só... eu não deixo apresentar o pavilhão para quem não estiver à caráter...[...]”

O Diretor também chamou a atenção para a importância dos 2ºs, tanto do segundo mestre sala quanto da segunda porta bandeira, lembrando do episódio ocorrido com a primeira porta bandeira da Unidos de Padre Miguel que sofreu uma fatalidade durante o desfile, e que, foi substituída pela segunda porta bandeira ainda com desfile em andamento...

Ele ainda explicou a difícil função da Harmonia Geral na compactação do desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro, há muitos detalhes para evitar o efeito sanfona que pode prejudicar o todo da escola, e também o porquê do espaço mais limitado e reduzido para os segundos e terceiros casais de mestre sala e porta bandeira, uma vez que não possuem paradas técnicas, por não ser julgados, devem fazer o básico, uma dança com mais evolução pra frente. Depois destas explicações, vieram muitas perguntas e dúvidas que foram mediadas e respondidas aos alunos e aos que estavam presentes na palestra dos dois convidados.

Enfim uma tarde muito produtiva e cheia de ensinamentos para quem acompanhou a aula do Padedê do Samba, que realizará mais encontros como este, sempre com o intuito de exemplificar aos alunos e trazer as experiências e os ensinamentos dos convidados, bambas de nosso carnaval.

Ramão Carvalho.



quinta-feira, 16 de junho de 2016

Conto de Bambas de Adolfo Giró



Adolfo Giró em defile no Complexo Cultural do Porto Seco. Foto Liespa.

A coluna Ouvindo Histórias coletou um pouco do saber e das experiências de um ícone do carnaval de Porto Alegre. Adolfo Giró, atual presidente de honra da Escola de Samba Embaixadores do Ritmo, que esteve por muitos anos dirigindo a escola, nos conta sua história e alguns fatos inusitados de sua vida carnavalesca. Iniciou nos dizendo de suas origens, filho de um uruguaio de Artigas e a mãe, uma brasileira descendente de franceses. Nasceu e cresceu nas cercanias da colônia africana¹.

Semblante tranquilo, batucando os seus dedos na mesa, o baluarte, de 84 anos, mas de olhar firme, me contou que começou no carnaval na Embaixada da Alegria, bloco que vinha de uma dissidência, e que deu origem ao Bloco Namorados da Lua. Conta que para não ficar contra os amigos que ficaram dos dois lados das facções carnavalescas, ele e outros amigos resolvem, por volta de 1950, juntar forças e decidem fundar a Embaixadores do Ritmo.

“[...] ...naquela época, eu era um guri novo, 60 quilos, mandava um pé... o que modéstias a parte, eu ia para o salão e não tinha brincadeira,  e mandava ver...Nesta época também, o porta estandarte eram homens, porque nesta época as escolas não tinham ala feminina... eram todos homens nos blocos, então, como eu dançava na imaginação de alguém, e na minha imaginação também... fui dançar com o estandarte. Foi então que me dediquei, de 1950 até por volta de 1960 fui o porta estandarte... ganhei diversas medalhas [equivalente ao Estandarte de Ouro de hoje]... tempo bom... [...]”.

Ele nos explica que o porta estandarte era um homem, pois nesta época não tinham mulheres nos desfiles carnavalescos, eram só homens que desfilavam nos blocos... ele faz uma pausa, olha para o horizonte, balança a cabeça positivamente, e, com olhos marejados, volta a afirmar  que naquela época tinham bons portas estandartes:

“[...]... lembro-me de muitos, de grandes portas estandartes... lembro de um que era o Cláudio Pires, acho que era este o nome dele, era dos Bambas da Orgia... e naquela época, vinham dois ou três caminhões... sempre o primeiro a descer era o porta estandarte... e se posicionava, para servir de referencia para os demais da escola, ou do bloco... Até quando parava a bateria o estandarte ficava neste movimento... vai e vem, vai e vem... num movimento contínuo... de leve... sem parar... era bonito de se ver... era a tradição, o estandarte sempre vir na frente...[...]”.
Diversas foram as experiências, boas e ruins, foram muitos carnavais, desfilando a frente do Embaixadores, sempre portando o estandarte. Giró nos conta que tinha que ter atenção, porque os carnavalescos da época “saíam na mão” quando não gostavam de algo.

“[...]”...eu lembro que tinha uma escola ou bloco, Aí Vem a Marinha... bloco da “pesada”, pois era agremiação de estivadores, a maioria... e na Miguel Teixeira tina um coreto... de um bloco que conflitava com eles... que era um bloco na maioria de funcionários públicos, pessoas que presavam pelas boas vestimentas... e eles não se gostavam... lembro que uma vez o nosso ônibus parou, eu desci com o estandarte, e o presidente deles (da Marinha) gritou: ‘O Peixão (apelido do Giró na época), pode passar por aqui, pode passar por cima de nós... os outros não’... se referindo ao bloco dos funcionários públicos, que eram considerados os ‘engomadinhos’ da época.. . e  abriga entre os blocos se formou... logo após o Embaixador passar... Deixaram a nossa turma passar porque eu jogava bola com eles... depois que passamos começou a briga...[...]”.
“[...] Por volta dos anos 60 eu parei... depois vieram as mulheres para o carnaval, daí tudo mudou de figura... as portas estandartes mulheres, depois vieram as portas bandeiras... as passistas... Daí eu me dediquei aos trabalhos de direção da escola, dirigindo a escola... [...]”.
“[...]...vivi numa época em que guardávamos dinheiro, juntávamos dinheiro para as nossas fantasias... os carnavalescos não ganhavam dinheiro da prefeitura ou do poder público como hoje... eu guardava sempre uma parte do dinheiro para a minha roupa, pra minha fantasia... isso era costume, os carnavalescos tinham esta atitude... claro que eram outros tempos...[...]”

Adolfo Giró explica que o Embaixadores do Ritmo passou por muitos locais, muitas foram as dificuldades... de lembrança ele conta algumas, lembra que ela se localizou na Avenida Taquara, no bairro Petrópolis, depois  pra avenida São Luiz, no Bairro Santana, na Glória e depois a escola foi para a Avenida Ipiranga:

“[...] Quando eu cheguei na Ipiranga com o Embaixadores, o local era chamado a ‘Vila das Placas’... lugar violento... chegamos lá, cercamos um espaço, e alojamos um senhor de São Gabriel, que ajudou a cuidar do espaço, trazendo seus parentes para cercar a área de escola. Embaixadores ficou 15 anos neste local... Sou bem recebido até hoje no local...[...]”.

Nos conta também da herança e do talento do filho Girozinho na direção da entidade e na experiência de fazer carnaval... conta que levava o Girozinho nos ombros quando ia para os ensaios da Escola na Avenida Mariante, outro local que a escola utilizou... ele comenta que se não o levasse ele fazia uma choradeira! [risos]...

Destaca que houve um carnaval marcante na sua vida e na da escola, com o enredo “Épocas e Glórias do Theatro São Pedro”, fazendo uma homenagem ao Theatro São Pedro a para a Dona Eva Sopher... numa época em que era raro fazer homenagens... o carnavalesco era o Tigrinho, o João Lacir, na época era funcionário do Theatro São Pedro e que deu a ideia de fazer o enredo em homenagem (Giró se refere ao enredo de 1987)... ele conta que na hora do desfile deu um temporal muito forte, e ele ficou muito preocupado com ela, correu pra ver o que acontecia, e a chuva forte caía... e viu que ela estava lá, cantando com energia e emoção, enfrentando a chuva... ele diz que foi uma das cenas que mais o comoveu até hoje, marcou...

Por outro lado ele lembra com olhar longe, das dificuldades passadas pela escola e pelo carnaval... comenta que muitas vezes não tinha recursos e saída para realizar os desfiles, contava com a ajuda dos amigos muitas vezes... foram muitos anos de dificuldade e escassez de dinheiro e verba. “O carnaval e o Embaixadores passaram por estes tristes momentos”... Lembra. Porém, destaca com alegria outra era:

“[...]”...Uma época também que destaco como muito importante para o crescimento do carnaval é sobre a gestão dos meus amigos de Associação Carnavalesca, na gestão que alavancou o carnaval de Porto Alegre, que foi a do Evaristo Mutti, junto com Doutor Ari Chagas, Tulia Silva, Seu Hélio... depois veio o Jorge Sodré, o Ademir Morais, o Urso... estes camaradas melhoraram o carnaval... engrandeceram... antes, antigamente a gente passava muito trabalho, as escolas viviam numa agonia pra ir por o desfile...[...]”.

Em meio ao papo descontraído, foi perguntado de onde vem tanta energia, simpatia e carisma com o publico nos desfiles, ele nos conta que não faz distinção dos amigos, conhecidos, parceiros... que no carnaval todos são importantes, que é lugar de rico, pobre, branco, negro, todos são importantes.

“[...]... Eu já fiz de tudo nesta vida, trabalhei em armazém, vendi cachorro quente, vendia maçã, amendoim... conheço todo o povo simples, conheço quase todos os carnavalescos, os trabalhadores de barracão, sinto o carinho do povo, todos que me veem, gritam meu nome, me chamam... ‘Giró...Giró... vem cá...’ e me abraçam, as vezes estão barbudos, suados, com tinta e graxa na roupa, mas eu não me importo... Sempre, sempre respeitei os meus parceiros... sempre respeitei meu semelhante... acho que isso aí é a obrigação do ser humano... isso aí é vida pra mim... quando me fazem um agrado, me trazem um abraço, um sorriso... se não me dão eu dou... eu não tenho inimigo... é a melhor coisa pra ti sobreviver... O maior troféu de todos que ganhei até hoje é o da amizade...[...]”.

Pra finalizar, nos deu uma mensagem de motivação, dizendo com entusiasmo que acredita que o carnaval pode crescer muito, que pode melhorar, pode avançar... que para isso os carnavalescos precisam fazer as coisas acontecer, ter disciplina, ter representações diante do poder publico e nas lideranças politicas.

“[...]... Ainda tenho esperança no carnaval... o Juarez esta fazendo um bom trabalho frente à Liga... acredito que o carnaval vai melhorar, vai ficar melhor... precisamos nos valorizar, dar as mãos e nos unir, nos fortalecer, enriquecer, pra não deixar a nossa cultura morrer... [...]”.

Uma grande aula de samba e história do carnaval está na memória deste grande sambista e carnavalesco. Precisamos ‘coletar’ mais informações deste baluarte!


Ramão Carvalho
16/06/2015.

[1] para saber mais sobre a Colônia Africana em Porto Alegre:

KERSTING, Eduardo H. de O. Negros e a modernidade urbana em Porto Alegre: a Colônia Africana (1890-1920). Porto Alegre: UFRGS, 1998.

BOHRER, Felipe Rodrigues. Breves considerações sobre os territórios negros urbanos de Porto Alegre na pós-abolição. ILUMINURAS, v. 12, n. 29.

_______________________. Territorialidade negra em Porto Alegre no pós-Abolição (1890-1920): o caso da Colônia Africana e da Ilhota. Salão de Iniciação Científica (21.: 2009 out. 19-23: Porto Alegre, RS). Livro de resumos. Porto Alegre: UFRGS, 2009.