CONTO DE
BAMBAS
Na foto Tânia Nara e Rudnei Santos.
O tradicional Conto de Bambas do Padedê
do Samba teve mais uma edição que aconteceu no dia cinco de agosto de 2017 na
Casa de Cultura Mário Quintana em Porto Alegre.
Vale lembrar que o quadro “Conto
de Bambas”, atividade criada na Escola matriz, Manoel Dionísio do Rio de
Janeiro, é considerada de suma importância na formação dos novos destaques,
onde são apresentados aos alunos, ícones e personalidades, com grande expressão
na história do carnaval gaúcho e que trarão suas vivências e experiências para
contribuir no aprendizado dos postulantes ao estrelato.
A personalidade escolhida foi a
ex-Porta Estandarte Tânia Nara Silveira da Silva que desfilou por mais de uma
década no Império do Sol e na Academia Samba Puro. Ela nos conta que iniciou na
Escola de Samba Os Dragões[1] de
São Leopoldo[2]
como desfilante, sempre almejou e desejava ser uma Porta Estandarte... Achava
difícil e quase impossível se tornar uma, pois os tempos eram difíceis e as
dificuldades de acesso à dança eram gigantes. Nos conta que o mais próximo que
chegou, na época, foi participar de um grupo de tradições gauchescas a dar os
seus primeiros rodopios.
Ela então comenta que tinha uma ideia
fixa: “eu quer ser a porta estandarte da
escola”. Era um desejo muito distante, enfatiza; então Tania traça uma
comparação para incentivar aos alunos do Padedê, para dar valor e importância
às aulas e para as lições dos instrutores:
“[...]... hoje vocês tem todos os recursos, antigamente não tínhamos
nada, nenhuma tecnologia, não tinha celular, filmadoras, internet, YouTube, era
tudo muito difícil, os que sabiam um pouco, naquela época, não eram
acessíveis... não se ensinava ser uma porta bandeira ou uma porta estandarte...
[...] ...hoje há mais facilidades, e também vocês estão dispondo de uma
excelente aula, com os instrutores e professores dando dicas e dizendo o que é
o certo, o que não é... por isso, aproveitem estes preciosos ensinamentos, pois
quando comecei, isso não existia...[...]”
Tania conta que muitas eram as
dificuldades quando em 1988 fundaram na Sociedade Rio Branco a Escola de Samba Império
do Sol, e que os amigos que ali se juntaram, foram realizando, cada qual como podia,
com suas afinidades e desejos; “...eu me
tornei a porta estandarte, Silvio de Oliveira o Mestre de Bateria... e assim
por diante...”. Conta que teve grande e primordial ajuda do carnavalesco
Wilson de Oliveira, que a incentivou a assistir os ensaios em Porto Alegre, “vai
nos ensaios do Força e Luz, dos Bambas da Orgia...” dizia ele, e lá se foram...
ele dizia para ela prestar atenção nos movimentos, nos trejeitos, na postura,
giros e tudo mais... ela ia registrando tudo na memória, para depois chegar em
casa e repassar tudo. Com isso passou a admirar muito Onira Pereira e Rosalina
Conceição, que passaram a ser suas inspirações.
Admirava muito as vestimentas das
guardiãs dos estandartes, e almejava ter aquelas lindas fantasias, com extravagância
de cores, de mangas bufantes, das saias bem armadas em muitos metros de filó...
suas primeiras fantasias foram mais simples, e seu primeiro desfile foi muito tenso,
ela explica que tinha a coragem, mas lhe faltava a experiência de pista, de
desfile, o que refletiu em uma nota não tão boa, mas era o primeiro ano da
escola, e num todo as notas não foram boas... então ela se saiu na média.
No segundo ano de desfiles dela e
da escola Império do Sol, mais um ano difícil... mais uma nota longe da máxima.
Ela pensativa exclama: “... não vou
desistir, pois é o que quero, então preciso melhorar...”. Com esta ideia firme
no pensamento, ela procurou por mais uma ajuda, e encontra na Porta Estandarte
Narciza Medeiros incentivo para evoluir no gestual e também articulou uma
fantasia mais bonita e de melhor efeito. Ela nos confessa que utilizou de uma grande
estratégia: pediu e exigiu do marido, então presidente da escola, que não queria
mais presentes, de aniversário ou de outras datas festivas, queria sim que
reservasse o valor de todos os presentes em uma magnífica fantasia. Eis que ela
conseguiu! Ganhou uma majestosa fantasia, aprimorou a dança e... finalmente tirou
a nota 10!
Conta que foi uma trajetória cheia
de percalços, as dificuldades seguiam, pois se por um lado, antigamente não se
exigia tanto dos destaques, não havia centros de formação, escolas, cursos que
balizassem o ensino e as normativas sobre a dança da porta estandarte, assim
como a da porta bandeira ou a do mestre sala... mas a cada ano, procurava
acrescentar mais algo na bagagem para servir de “trunfo” para alcançar as
notas, visto que no carnaval leopoldense é tradição a porta estandarte ser
quesito, contando os pontos para o campeonato das escolas.
Dançou no Império do Sol até 1999[3], e
no ano 2000 teve uma rica experiência, quando foi portar o estandarte da
Academia de Samba Puro, onde foi muito bem recebida pela comunidade, teve na
pessoa do Mário Jeferson Pinheiro, que a levou para a escola, um grande aliado,
que apresentou o povo da “Maria da Conceição” para ela... e nos conta que foi
um ano fantástico...
Tania ainda aconselha os
presentes de que nesta época em que ela era um “destaque que dançava”, era um outro tempo, em que era comum uma
ajuda de custo, os cachês, e que agora, neste triste período de crise financeira
que está assolando o país, quem está pagando a conta é a cultura como um todo e
o carnaval com mais penar. Ela acrescenta que é preciso se reinventar, que os
destaques tem que rever a sua posição e que não se pode viver, muito menos
achar que vai “lucrar” com o carnaval.
“[...]... dancem pelo prazer de dançar, sejam vaidosos, andem bem
vestidos, é isso que o povo quer ver, destaques bem vestidos, orgulhosos de
seus pavilhões, de suas escolas, altivos, cabeça erguida... mas estudem, nunca
deixem de estudar, adquirir conhecimentos, ser ‘alguém na vida’... tenham
profissão, não dependam de dinheiro de Escola de Samba [...] ...dá para
conciliar as coisas, tem e teve muito destaque que dançava, trabalhava e
estudava e deram conta, hoje estão formados... sigam este mesmo caminho, não esperem
só pelo carnaval, pois ele está em crise e sem dinheiro...[...]”
A ex porta estandarte, hoje
diretora da Escola Império do Sol, acrescenta com sua experiência de que estes
tempos difíceis devam ser compreendidos como um desafio a ser vencido e que só
será se tiver união e “amor à camisa” de sua escola. Salienta o trabalho árduo
de manter sua escola, da difícil tarefa de explicar a falta do ‘cachê’
individual, pois as escolas não dispõem mais de nenhuma ajuda financeira do
poder público:
“[...]...dou graças de poder ter dançado em um tempo mais favorável que
hoje, que vivi um carnaval diferente de hoje, 12 anos dançando no Império do
Sol, que é uma escola consolidada sim, mas porque todas as pessoas que estão
lá, ou que por lá passaram, ajudaram e contribuíram para que ela seja o que é
hoje, mas sabemos que não se pode parar, aliás o samba não pode parar, senão
morre... a nossa preocupação é constante, pois o assombro deste carnaval, fato
de o Grupo Prata não ter desfilado em 2017 ainda é muito presente... [...]
portanto concluo que esta juventude e todo os carnavalescos da atualidade devem
compreender que não estão isolados, que não se faz desfiles e ensaios só com a porta
estandarte, ou só com o passista, ou intérprete, e sim o todo, teremos que
encarar os fatos de frente; da total falta de recursos e agir com criatividade
para ‘driblar’ esta crise financeira... este é o desafio para todos nós que
amamos esta cultura chamada carnaval![...]”
Concluiu enaltecendo o trabalho
do Padedê do Samba, na pessoa de Simone Ribeiro e de todos os instrutores, pais
e colaboradores. Incentivou aos alunos a manter o foco na dança, na postura,
não desistir nas primeiras dificuldades, seguir os ensinamentos e trabalhar o
corpo e a mente. Aproveitar os melhores recursos deste espaço, para aprender, fazer
amizades, conhecer as pessoas, as autoridades, enfim, um espaço de aula, de
convívio, de experiência. Finalizando ela diz: “[...]... agradeço imensamente o convite do Padedê, de poder estar neste magnífico
espaço de aprendizado, onde vocês estão perpetuando as raízes da tradição do
carnaval... muito, muito obrigada![...]”
Após a fala das vivências de
Tânia, outro convidado trouxe suas experiências, é Rudnei Costa dos Santos,
Diretor de Harmonia do Tuiuti, onde conduz e trabalha com casais de mestre sala
e porta bandeiras, desenvolvendo a guarda e a apresentação destes. Conta que
conheceu Simone e Tiriri no Rio de Janeiro, quando eles dançaram em algumas
escolas cariocas, onde Rudnei os conduziu. Começou salientando que há muitas e grandes
diferenças nas realidades dos carnavais gaúcho e carioca na questão do casal de
mestre sala e porta bandeira, e que, não convêm comparações. Porém ele ressalta
que há alguns aspectos que são preponderantes e que vale salientar e dizer:
“[...]...vocês tem que se cuidar, porque vocês são a ‘cara’ das escolas
que estão, por isso se cuidem, vocês são figuras públicas, não devem se expor, devem
zelar pela postura, cuidar com o que postam nas redes sociais, não se envolver
em confusões, fofocas, intrigas, bobagens escritas, pois isso dá uma grande
repercussão e age negativamente contra você na hora de ser escolhido para ser e
compor o casal de uma escola... isso é muito importante, prestem bem atenção
nisso...[...]”
Rudnei comentou das atribuições
de um mestre de cerimônias, que é a de conduzir o casal pela quadra e nos compromissos
da escola, é ele quem leva e cuida do pavilhão quando o casal não está dançando,
que apresenta o casal para as autoridades e que baliza o deslocamento durante a
apresentação. Importante lembrar que o mestre de cerimonias deve estar bem vestido
e ter uma atuação discreta, não deve ser espalhafatoso, tentando roubar a cena
do casal e do pavilhão, e que muitas vezes pode atrapalhar a desenvoltura do
casal.
Ele volta a salientar da
importância da postura do casal, sendo um dos requisitos vitais, e que ele
reforça constantemente com os casais que ele trabalha;
“[...] casal que se prese, não vai de bermuda e de chinelo para os
ensaios das escolas de samba, também, se estiver dançando, não devem levar o pavilhão
para ser saudado e beijado por quem assim estiver vestido, ou fumando, ou bebendo,
ou de boné, ou de chinelos e bermuda... no máximo se apresenta de longe a
bandeira e só... eu não deixo apresentar o pavilhão para quem não estiver à caráter...[...]”
O Diretor também chamou a atenção
para a importância dos 2ºs, tanto do segundo mestre sala quanto da segunda porta
bandeira, lembrando do episódio ocorrido com a primeira porta bandeira da
Unidos de Padre Miguel que sofreu uma fatalidade durante o desfile, e que, foi substituída
pela segunda porta bandeira ainda com desfile em andamento...
Ele ainda explicou a difícil função
da Harmonia Geral na compactação do desfile das escolas de samba do Rio de
Janeiro, há muitos detalhes para evitar o efeito sanfona que pode prejudicar o
todo da escola, e também o porquê do espaço mais limitado e reduzido para os
segundos e terceiros casais de mestre sala e porta bandeira, uma vez que não
possuem paradas técnicas, por não ser julgados, devem fazer o básico, uma dança
com mais evolução pra frente. Depois destas explicações, vieram muitas
perguntas e dúvidas que foram mediadas e respondidas aos alunos e aos que
estavam presentes na palestra dos dois convidados.
Enfim uma tarde muito produtiva e
cheia de ensinamentos para quem acompanhou a aula do Padedê do Samba, que
realizará mais encontros como este, sempre com o intuito de exemplificar aos
alunos e trazer as experiências e os ensinamentos dos convidados, bambas de
nosso carnaval.
Ramão Carvalho.
Mais imagens estão em https://www.facebook.com/escolapadededosamba/
[1] Relativo aos blocos do
carnaval de São Leopoldo ver http://www.revistas2.uepg.br/index.php/rhr/article/download/9752/5882
[2] Quanto ao carnaval de São
Leopoldo, ver https://issuu.com/marcelooreilly/docs/0188-ramaoedonildauinheimerdecarval
[3] Carnaval de Porto Alegre
Anos 90 - http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/carnaval/usu_doc/historico_carnaval.pdf