quarta-feira, 9 de agosto de 2017

Conto de Bambas com Tania Nara

CONTO DE BAMBAS

Na foto Tânia Nara e Rudnei Santos.

Tânia Nara Silveira da Silva, de Porta Estandarte a Diretora.

O tradicional Conto de Bambas do Padedê do Samba teve mais uma edição que aconteceu no dia cinco de agosto de 2017 na Casa de Cultura Mário Quintana em Porto Alegre.

Vale lembrar que o quadro “Conto de Bambas”, atividade criada na Escola matriz, Manoel Dionísio do Rio de Janeiro, é considerada de suma importância na formação dos novos destaques, onde são apresentados aos alunos, ícones e personalidades, com grande expressão na história do carnaval gaúcho e que trarão suas vivências e experiências para contribuir no aprendizado dos postulantes ao estrelato.

A personalidade escolhida foi a ex-Porta Estandarte Tânia Nara Silveira da Silva que desfilou por mais de uma década no Império do Sol e na Academia Samba Puro. Ela nos conta que iniciou na Escola de Samba Os Dragões[1] de São Leopoldo[2] como desfilante, sempre almejou e desejava ser uma Porta Estandarte... Achava difícil e quase impossível se tornar uma, pois os tempos eram difíceis e as dificuldades de acesso à dança eram gigantes. Nos conta que o mais próximo que chegou, na época, foi participar de um grupo de tradições gauchescas a dar os seus primeiros rodopios.

Ela então comenta que tinha uma ideia fixa: “eu quer ser a porta estandarte da escola”. Era um desejo muito distante, enfatiza; então Tania traça uma comparação para incentivar aos alunos do Padedê, para dar valor e importância às aulas e para as lições dos instrutores:

“[...]... hoje vocês tem todos os recursos, antigamente não tínhamos nada, nenhuma tecnologia, não tinha celular, filmadoras, internet, YouTube, era tudo muito difícil, os que sabiam um pouco, naquela época, não eram acessíveis... não se ensinava ser uma porta bandeira ou uma porta estandarte... [...] ...hoje há mais facilidades, e também vocês estão dispondo de uma excelente aula, com os instrutores e professores dando dicas e dizendo o que é o certo, o que não é... por isso, aproveitem estes preciosos ensinamentos, pois quando comecei, isso não existia...[...]”

Tania conta que muitas eram as dificuldades quando em 1988 fundaram na Sociedade Rio Branco a Escola de Samba Império do Sol, e que os amigos que ali se juntaram, foram realizando, cada qual como podia, com suas afinidades e desejos; “...eu me tornei a porta estandarte, Silvio de Oliveira o Mestre de Bateria... e assim por diante...”. Conta que teve grande e primordial ajuda do carnavalesco Wilson de Oliveira, que a incentivou a assistir os ensaios em Porto Alegre, “vai nos ensaios do Força e Luz, dos Bambas da Orgia...” dizia ele, e lá se foram... ele dizia para ela prestar atenção nos movimentos, nos trejeitos, na postura, giros e tudo mais... ela ia registrando tudo na memória, para depois chegar em casa e repassar tudo. Com isso passou a admirar muito Onira Pereira e Rosalina Conceição, que passaram a ser suas inspirações.

Admirava muito as vestimentas das guardiãs dos estandartes, e almejava ter aquelas lindas fantasias, com extravagância de cores, de mangas bufantes, das saias bem armadas em muitos metros de filó... suas primeiras fantasias foram mais simples, e seu primeiro desfile foi muito tenso, ela explica que tinha a coragem, mas lhe faltava a experiência de pista, de desfile, o que refletiu em uma nota não tão boa, mas era o primeiro ano da escola, e num todo as notas não foram boas... então ela se saiu na média.

No segundo ano de desfiles dela e da escola Império do Sol, mais um ano difícil... mais uma nota longe da máxima. Ela pensativa exclama: “... não vou desistir, pois é o que quero, então preciso melhorar...”. Com esta ideia firme no pensamento, ela procurou por mais uma ajuda, e encontra na Porta Estandarte Narciza Medeiros incentivo para evoluir no gestual e também articulou uma fantasia mais bonita e de melhor efeito. Ela nos confessa que utilizou de uma grande estratégia: pediu e exigiu do marido, então presidente da escola, que não queria mais presentes, de aniversário ou de outras datas festivas, queria sim que reservasse o valor de todos os presentes em uma magnífica fantasia. Eis que ela conseguiu! Ganhou uma majestosa fantasia, aprimorou a dança e... finalmente tirou a nota 10!

Conta que foi uma trajetória cheia de percalços, as dificuldades seguiam, pois se por um lado, antigamente não se exigia tanto dos destaques, não havia centros de formação, escolas, cursos que balizassem o ensino e as normativas sobre a dança da porta estandarte, assim como a da porta bandeira ou a do mestre sala... mas a cada ano, procurava acrescentar mais algo na bagagem para servir de “trunfo” para alcançar as notas, visto que no carnaval leopoldense é tradição a porta estandarte ser quesito, contando os pontos para o campeonato das escolas.

Dançou no Império do Sol até 1999[3], e no ano 2000 teve uma rica experiência, quando foi portar o estandarte da Academia de Samba Puro, onde foi muito bem recebida pela comunidade, teve na pessoa do Mário Jeferson Pinheiro, que a levou para a escola, um grande aliado, que apresentou o povo da “Maria da Conceição” para ela... e nos conta que foi um ano fantástico...

Tania ainda aconselha os presentes de que nesta época em que ela era um “destaque que dançava”, era um outro tempo, em que era comum uma ajuda de custo, os cachês, e que agora, neste triste período de crise financeira que está assolando o país, quem está pagando a conta é a cultura como um todo e o carnaval com mais penar. Ela acrescenta que é preciso se reinventar, que os destaques tem que rever a sua posição e que não se pode viver, muito menos achar que vai “lucrar” com o carnaval.

“[...]... dancem pelo prazer de dançar, sejam vaidosos, andem bem vestidos, é isso que o povo quer ver, destaques bem vestidos, orgulhosos de seus pavilhões, de suas escolas, altivos, cabeça erguida... mas estudem, nunca deixem de estudar, adquirir conhecimentos, ser ‘alguém na vida’... tenham profissão, não dependam de dinheiro de Escola de Samba [...] ...dá para conciliar as coisas, tem e teve muito destaque que dançava, trabalhava e estudava e deram conta, hoje estão formados... sigam este mesmo caminho, não esperem só pelo carnaval, pois ele está em crise e sem dinheiro...[...]”

A ex porta estandarte, hoje diretora da Escola Império do Sol, acrescenta com sua experiência de que estes tempos difíceis devam ser compreendidos como um desafio a ser vencido e que só será se tiver união e “amor à camisa” de sua escola. Salienta o trabalho árduo de manter sua escola, da difícil tarefa de explicar a falta do ‘cachê’ individual, pois as escolas não dispõem mais de nenhuma ajuda financeira do poder público:

“[...]...dou graças de poder ter dançado em um tempo mais favorável que hoje, que vivi um carnaval diferente de hoje, 12 anos dançando no Império do Sol, que é uma escola consolidada sim, mas porque todas as pessoas que estão lá, ou que por lá passaram, ajudaram e contribuíram para que ela seja o que é hoje, mas sabemos que não se pode parar, aliás o samba não pode parar, senão morre... a nossa preocupação é constante, pois o assombro deste carnaval, fato de o Grupo Prata não ter desfilado em 2017 ainda é muito presente... [...] portanto concluo que esta juventude e todo os carnavalescos da atualidade devem compreender que não estão isolados, que não se faz desfiles e ensaios só com a porta estandarte, ou só com o passista, ou intérprete, e sim o todo, teremos que encarar os fatos de frente; da total falta de recursos e agir com criatividade para ‘driblar’ esta crise financeira... este é o desafio para todos nós que amamos esta cultura chamada carnaval![...]”

Concluiu enaltecendo o trabalho do Padedê do Samba, na pessoa de Simone Ribeiro e de todos os instrutores, pais e colaboradores. Incentivou aos alunos a manter o foco na dança, na postura, não desistir nas primeiras dificuldades, seguir os ensinamentos e trabalhar o corpo e a mente. Aproveitar os melhores recursos deste espaço, para aprender, fazer amizades, conhecer as pessoas, as autoridades, enfim, um espaço de aula, de convívio, de experiência. Finalizando ela diz: “[...]... agradeço imensamente o convite do Padedê, de poder estar neste magnífico espaço de aprendizado, onde vocês estão perpetuando as raízes da tradição do carnaval... muito, muito obrigada![...]”

Após a fala das vivências de Tânia, outro convidado trouxe suas experiências, é Rudnei Costa dos Santos, Diretor de Harmonia do Tuiuti, onde conduz e trabalha com casais de mestre sala e porta bandeiras, desenvolvendo a guarda e a apresentação destes. Conta que conheceu Simone e Tiriri no Rio de Janeiro, quando eles dançaram em algumas escolas cariocas, onde Rudnei os conduziu.  Começou salientando que há muitas e grandes diferenças nas realidades dos carnavais gaúcho e carioca na questão do casal de mestre sala e porta bandeira, e que, não convêm comparações. Porém ele ressalta que há alguns aspectos que são preponderantes e que vale salientar e dizer:

“[...]...vocês tem que se cuidar, porque vocês são a ‘cara’ das escolas que estão, por isso se cuidem, vocês são figuras públicas, não devem se expor, devem zelar pela postura, cuidar com o que postam nas redes sociais, não se envolver em confusões, fofocas, intrigas, bobagens escritas, pois isso dá uma grande repercussão e age negativamente contra você na hora de ser escolhido para ser e compor o casal de uma escola... isso é muito importante, prestem bem atenção nisso...[...]”

Rudnei comentou das atribuições de um mestre de cerimônias, que é a de conduzir o casal pela quadra e nos compromissos da escola, é ele quem leva e cuida do pavilhão quando o casal não está dançando, que apresenta o casal para as autoridades e que baliza o deslocamento durante a apresentação. Importante lembrar que o mestre de cerimonias deve estar bem vestido e ter uma atuação discreta, não deve ser espalhafatoso, tentando roubar a cena do casal e do pavilhão, e que muitas vezes pode atrapalhar a desenvoltura do casal.

Ele volta a salientar da importância da postura do casal, sendo um dos requisitos vitais, e que ele reforça constantemente com os casais que ele trabalha;

“[...] casal que se prese, não vai de bermuda e de chinelo para os ensaios das escolas de samba, também, se estiver dançando, não devem levar o pavilhão para ser saudado e beijado por quem assim estiver vestido, ou fumando, ou bebendo, ou de boné, ou de chinelos e bermuda... no máximo se apresenta de longe a bandeira e só... eu não deixo apresentar o pavilhão para quem não estiver à caráter...[...]”

O Diretor também chamou a atenção para a importância dos 2ºs, tanto do segundo mestre sala quanto da segunda porta bandeira, lembrando do episódio ocorrido com a primeira porta bandeira da Unidos de Padre Miguel que sofreu uma fatalidade durante o desfile, e que, foi substituída pela segunda porta bandeira ainda com desfile em andamento...

Ele ainda explicou a difícil função da Harmonia Geral na compactação do desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro, há muitos detalhes para evitar o efeito sanfona que pode prejudicar o todo da escola, e também o porquê do espaço mais limitado e reduzido para os segundos e terceiros casais de mestre sala e porta bandeira, uma vez que não possuem paradas técnicas, por não ser julgados, devem fazer o básico, uma dança com mais evolução pra frente. Depois destas explicações, vieram muitas perguntas e dúvidas que foram mediadas e respondidas aos alunos e aos que estavam presentes na palestra dos dois convidados.

Enfim uma tarde muito produtiva e cheia de ensinamentos para quem acompanhou a aula do Padedê do Samba, que realizará mais encontros como este, sempre com o intuito de exemplificar aos alunos e trazer as experiências e os ensinamentos dos convidados, bambas de nosso carnaval.

Ramão Carvalho.