Adolfo Giró em defile no Complexo Cultural do Porto Seco. Foto Liespa.
A coluna Ouvindo Histórias coletou
um pouco do saber e das experiências de um ícone do carnaval de Porto Alegre. Adolfo
Giró, atual presidente de honra da Escola de Samba Embaixadores do Ritmo, que
esteve por muitos anos dirigindo a escola, nos conta sua história e alguns
fatos inusitados de sua vida carnavalesca. Iniciou nos dizendo de suas origens,
filho de um uruguaio de Artigas e a mãe, uma brasileira descendente de franceses.
Nasceu e cresceu nas cercanias da colônia africana¹.
Semblante tranquilo, batucando
os seus dedos na mesa, o baluarte, de 84 anos, mas de olhar firme, me contou
que começou no carnaval na Embaixada da Alegria, bloco que vinha de uma
dissidência, e que deu origem ao Bloco Namorados da Lua. Conta que para não
ficar contra os amigos que ficaram dos dois lados das facções carnavalescas,
ele e outros amigos resolvem, por volta de 1950, juntar forças e decidem fundar
a Embaixadores do Ritmo.
“[...]
...naquela época, eu era um guri novo, 60 quilos, mandava um pé... o que modéstias
a parte, eu ia para o salão e não tinha brincadeira, e mandava ver...Nesta época também, o porta
estandarte eram homens, porque nesta época as escolas não tinham ala
feminina... eram todos homens nos blocos, então, como eu dançava na imaginação
de alguém, e na minha imaginação também... fui dançar com o estandarte. Foi
então que me dediquei, de 1950 até por volta de 1960 fui o porta estandarte... ganhei
diversas medalhas [equivalente ao Estandarte de Ouro de hoje]... tempo bom...
[...]”.
Ele nos explica que o porta
estandarte era um homem, pois nesta época não tinham mulheres nos desfiles
carnavalescos, eram só homens que desfilavam nos blocos... ele faz uma pausa,
olha para o horizonte, balança a cabeça positivamente, e, com olhos marejados,
volta a afirmar que naquela época tinham
bons portas estandartes:
“[...]...
lembro-me de muitos, de grandes portas
estandartes... lembro de um que era o Cláudio Pires, acho que era este o nome
dele, era dos Bambas da Orgia... e naquela época, vinham dois ou três
caminhões... sempre o primeiro a descer era o porta estandarte... e se
posicionava, para servir de referencia para os demais da escola, ou do bloco...
Até quando parava a bateria o estandarte ficava neste movimento... vai e vem,
vai e vem... num movimento contínuo... de leve... sem parar... era bonito de se
ver... era a tradição, o estandarte sempre vir na frente...[...]”.
Diversas foram as
experiências, boas e ruins, foram muitos carnavais, desfilando a frente do
Embaixadores, sempre portando o estandarte. Giró nos conta que tinha que ter
atenção, porque os carnavalescos da época “saíam
na mão” quando não gostavam de algo.
“[...]”...eu lembro que tinha uma escola ou bloco, Aí
Vem a Marinha... bloco da “pesada”, pois era agremiação de estivadores, a
maioria... e na Miguel Teixeira tina um coreto... de um bloco que conflitava com
eles... que era um bloco na maioria de funcionários públicos, pessoas que
presavam pelas boas vestimentas... e eles não se gostavam... lembro que uma vez
o nosso ônibus parou, eu desci com o estandarte, e o presidente deles (da Marinha)
gritou: ‘O Peixão (apelido do Giró na época), pode passar por aqui, pode passar
por cima de nós... os outros não’... se referindo ao bloco dos funcionários
públicos, que eram considerados os ‘engomadinhos’ da época.. . e abriga entre os blocos se formou... logo após
o Embaixador passar... Deixaram a nossa turma passar porque eu jogava bola com
eles... depois que passamos começou a briga...[...]”.
“[...]
Por volta dos anos 60 eu parei... depois
vieram as mulheres para o carnaval, daí tudo mudou de figura... as portas
estandartes mulheres, depois vieram as portas bandeiras... as passistas... Daí
eu me dediquei aos trabalhos de direção da escola, dirigindo a escola... [...]”.
“[...]...vivi numa época em que guardávamos dinheiro,
juntávamos dinheiro para as nossas fantasias... os carnavalescos não ganhavam
dinheiro da prefeitura ou do poder público como hoje... eu guardava sempre uma
parte do dinheiro para a minha roupa, pra minha fantasia... isso era costume,
os carnavalescos tinham esta atitude... claro que eram outros tempos...[...]”
Adolfo Giró explica que o
Embaixadores do Ritmo passou por muitos locais, muitas foram as dificuldades...
de lembrança ele conta algumas, lembra que ela se localizou na Avenida Taquara,
no bairro Petrópolis, depois pra avenida
São Luiz, no Bairro Santana, na Glória e depois a escola foi para a Avenida
Ipiranga:
“[...]
Quando eu cheguei na Ipiranga com o Embaixadores, o local era chamado a ‘Vila
das Placas’... lugar violento... chegamos lá, cercamos um espaço, e alojamos um
senhor de São Gabriel, que ajudou a cuidar do espaço, trazendo seus parentes
para cercar a área de escola. Embaixadores ficou 15 anos neste local... Sou bem
recebido até hoje no local...[...]”.
Nos conta também da herança e do
talento do filho Girozinho na direção da entidade e na experiência de fazer
carnaval... conta que levava o Girozinho nos ombros quando ia para os ensaios
da Escola na Avenida Mariante, outro local que a escola utilizou... ele comenta
que se não o levasse ele fazia uma choradeira! [risos]...
Destaca que houve um carnaval
marcante na sua vida e na da escola, com o enredo “Épocas e Glórias do Theatro
São Pedro”, fazendo uma homenagem ao Theatro São Pedro a para a Dona Eva
Sopher... numa época em que era raro fazer homenagens... o carnavalesco era o
Tigrinho, o João Lacir, na época era funcionário do Theatro São Pedro e que deu
a ideia de fazer o enredo em homenagem (Giró se refere ao enredo de 1987)... ele
conta que na hora do desfile deu um temporal muito forte, e ele ficou muito
preocupado com ela, correu pra ver o que acontecia, e a chuva forte caía... e
viu que ela estava lá, cantando com energia e emoção, enfrentando a chuva...
ele diz que foi uma das cenas que mais o comoveu até hoje, marcou...
Por outro lado ele lembra com
olhar longe, das dificuldades passadas pela escola e pelo carnaval... comenta
que muitas vezes não tinha recursos e saída para realizar os desfiles, contava
com a ajuda dos amigos muitas vezes... foram muitos anos de dificuldade e
escassez de dinheiro e verba. “O carnaval e o Embaixadores passaram por estes
tristes momentos”... Lembra. Porém, destaca com alegria outra era:
“[...]”...Uma época também que destaco como muito
importante para o crescimento do carnaval é sobre a gestão dos meus amigos de
Associação Carnavalesca, na gestão que alavancou o carnaval de Porto Alegre,
que foi a do Evaristo Mutti, junto com Doutor Ari Chagas, Tulia Silva, Seu
Hélio... depois veio o Jorge Sodré, o Ademir Morais, o Urso... estes camaradas
melhoraram o carnaval... engrandeceram... antes, antigamente a gente passava
muito trabalho, as escolas viviam numa agonia pra ir por o desfile...[...]”.
Em meio ao papo descontraído,
foi perguntado de onde vem tanta energia, simpatia e carisma com o publico nos
desfiles, ele nos conta que não faz distinção dos amigos, conhecidos,
parceiros... que no carnaval todos são importantes, que é lugar de rico, pobre,
branco, negro, todos são importantes.
“[...]...
Eu já fiz de tudo nesta vida, trabalhei
em armazém, vendi cachorro quente, vendia maçã, amendoim... conheço todo o povo
simples, conheço quase todos os carnavalescos, os trabalhadores de barracão, sinto
o carinho do povo, todos que me veem, gritam meu nome, me chamam... ‘Giró...Giró...
vem cá...’ e me abraçam, as vezes estão barbudos, suados, com tinta e graxa na
roupa, mas eu não me importo... Sempre, sempre respeitei os meus parceiros...
sempre respeitei meu semelhante... acho que isso aí é a obrigação do ser
humano... isso aí é vida pra mim... quando me fazem um agrado, me trazem um
abraço, um sorriso... se não me dão eu dou... eu não tenho inimigo... é a
melhor coisa pra ti sobreviver... O maior troféu de todos que ganhei até hoje é
o da amizade...[...]”.
Pra finalizar, nos deu uma
mensagem de motivação, dizendo com entusiasmo que acredita que o carnaval pode
crescer muito, que pode melhorar, pode avançar... que para isso os
carnavalescos precisam fazer as coisas acontecer, ter disciplina, ter
representações diante do poder publico e nas lideranças politicas.
“[...]...
Ainda tenho esperança no carnaval... o Juarez esta fazendo um bom trabalho
frente à Liga... acredito que o carnaval vai melhorar, vai ficar melhor...
precisamos nos valorizar, dar as mãos e nos unir, nos fortalecer, enriquecer,
pra não deixar a nossa cultura morrer... [...]”.
Uma grande aula de samba e
história do carnaval está na memória deste grande sambista e carnavalesco.
Precisamos ‘coletar’ mais informações deste baluarte!
Ramão
Carvalho
16/06/2015.
[1] para saber mais sobre a Colônia
Africana em Porto Alegre:
KERSTING,
Eduardo H. de O. Negros e a modernidade urbana em Porto Alegre: a Colônia
Africana (1890-1920). Porto Alegre: UFRGS,
1998.
BOHRER,
Felipe Rodrigues. Breves considerações sobre os territórios negros urbanos de
Porto Alegre na pós-abolição. ILUMINURAS, v. 12, n. 29.
_______________________.
Territorialidade negra em Porto Alegre no pós-Abolição (1890-1920): o caso da
Colônia Africana e da Ilhota. Salão de Iniciação Científica (21.: 2009 out.
19-23: Porto Alegre, RS). Livro de resumos. Porto Alegre: UFRGS, 2009.