...Em uma tarde quente, de vento
agradável e arrefecedor, na Quadra do Imperadores do Samba aconteceu o “Conto
de Bamba”, evento organizado pelo Curso de Mestre Sala e Porta Bandeira e Porta
Estandarte, o Padedê do Samba. Aproveitei o ensejo para contar mais um capítulo
da nossa coluna “ouvindo Histórias”...
Inspirada, a porta bandeira Rosicler
Padilha nos brindou com sua história, seu ingresso no carnaval, experiências e deu
importantes conselhos a todos os presentes de como se portar e de como se
tornar um destaque de sucesso...
Ela nos conta que conheceu o carnaval
por acaso, através de amizades. Foi, influenciada por amigas, a procura do
estrelato na fase da adolescência, que ela procurou investir em concursos de
beleza, o sonho de todas as meninas desta fase. Ela nos conta que não venceu
nenhum concurso, mas ela persistiu.
Convidada por uma amiga, Viviane, que
desfilava na comissão de frente do Império da Zona Norte, foram até um atelier
para a referida amiga experimentar a fantasia. Chegando lá, ela conheceu o
Mestre Sala Zoca. Neste momento, ele se encontrava muito aflito e desabafa as
duas expectadoras de que sua porta bandeira estava grávida e não poderia
desfilar com ele naquele ano... comentou também de que seu problema era grave,
pois não tinha quem substituísse a consagrada Porta Bandeira Itanajara. Que
inclusive havia mais um agravante: o de que a porta bandeira já teria recebido
a metade do cachê. Foi quando Rosicler se interessou pelo assunto, pergunta:
“[...]... Espere aí... me responda... como assim, a porta bandeira recebe
dinheiro para desfilar no carnaval?”[...]”... Eis que ele responde:
[...]...sim, recebe sim![...]”. Ela
retoma dizendo: “[...]... mas então está
aqui a tua porta bandeira, eu vou desfilar com você...[...]”
Quem assistiu Rosicler dançando glamorosa
e bem produzida, jamais pensaria que quando adolescente ela era “dark” – sim, dark, uma espécie de
rebelde, no estilo gótico, que nos anos 80 e 90 vestiam-se com roupas pretas e
usavam maquiagens da mesma cor numa forma de protesto pela sociedade
constituída.
Disposta e decidida, ela insistiu com
Zoca que ia ser sua porta bandeira. Isto era outubro de 1991 e faltavam quatro
meses para os desfiles... Rose não tinha a mínima idéia do que deveria fazer, conta
que nem andava de salto, pois estava acostumada com seu “coturno”, uma espécie de bota, outra característica dos que
vestiam-se de preto... mas lá se foi ela... munida da coragem de se tornar uma
Porta Bandeira...
Então, sua carreira começou nos idos
de 1992, no Império da Zona Norte... depois de muitos ensaios ela foi anunciada
como 1ª Porta Bandeira. Em sua primeira apresentação oficial, em uma muamba,
minutos antes de entrar na passarela, ela presencia um assassinato, em estado
de choque ela adentra pela primeira vez na passarela, um misto de medo e
emoção... mas ao final, conseguiu cumprir o percurso e desfilar.
No dia do desfile oficial, outro
fatídico episódio: sumiu o primeiro pavilhão! Desespero total! E para piorar a
situação, não havia uma liderança da escola no local que tomasse uma atitude,
então alguém corre até a quadra da Escola e, improvisaram um cabo de vassoura e
um estandarte que não seria utilizado... e, com aquele estandarte "virado" em forma de bandeira, lá se foram Rosicler e Zoca, mesmo
com todas estas dificuldades, bailaram como nunca e conseguiram a nota 10!
Rosicler e Zoca com o estandarte-bandeira. Foto de seu arquivo pessoal.
Após este carnaval, foi convidada
pela Ana Marilda Bellos para formar um grupo de apresentações para ir para o
Japão. Foram para a cidade de Kanasawa, que na época fazia projetos de
intercâmbio cultural com outras cidades no mundo. Embarcaram para o Japão
Rosicler, Ana, Girozinho, Carla Pires e Mestre Estevão. “[...]...Foi muito interessante, pois todos tinham
que fazer de tudo, eu era passista, bailarina, garota de Ipanema e Porta
Bandeira...[...]”.
Rosicler, após contar algumas
histórias e experiências, nos deu conselhos, que em minha opinião são muito
pertinentes, nos dizendo que [...] o sucesso
de um destaque é o quanto ele se dedicou para a sua carreira e o resultado vai
estar no seu desempenho...[...]”. Ela acrecenta sabiamente que: “[...]...para você ter sucesso e se tornar um campeão, você tem que ter muita
disciplina, muito amor naquilo que você quer, naquilo que você sonha e naquilo
que você almeja[...]”.
Sua sapiência foi além, com muita
propriedade falou do comportamento que tinha e que verificava a forma como os demais
destaques se comportavam. Ela enfatiza que ser destaque de uma Escola de Samba
é algo muito importante, tanto para a pessoa, para o artista, como para a
entidade, tamanha é esta importância que o destaque que se apresenta deve ter
em mente que:
[...]... as pessoas que vem nos assistir, elas querem ver um diferencial, um
sorriso, um brilho no olhar, alegres, elas querem ver o que não se vê no dia a
dia, pois o carnaval é alegria, carnaval é paixão, é um estado de espírito, uma
maravilha... e as pessoas quando nos assistem, querem ver tudo isso em vocês
destaques, vocês tem que oferecer isso ao público, é por isso que eles saem de
suas casas, e vão até a quadra ou avenida para prestigiar cada um de vocês... o
público quer ver algo diferente... as pessoas pagam ingresso para assistir vocês...
façam da dança algo transformador, não transmitam cansaço, tristeza... não se
comportem de forma inadequada, o destaque tem que transmitir alegria, vontade,
beleza... é como se as pessoas quisessem “pegar”um pouco da energia de vocês, e
levar para suas casas...[...]
Como os ouvintes de sua palestra eram
muitos aspirantes ao estrelato, ao ‘glamour’ da passarela, ela deu alguns
conselhos. Conselhos que em minha opinião são muito pertinentes. Em suas
palavras, Rosicler, muito inspirada nos disse:
“[...] Não desistam no primeiro obstáculo, pois muitos vão rir de você, mas se
continuar, persistir e melhorar, quem tem meta, as dificuldades são pequenas.
Com objetivo e disciplina e um pouco de tempo para adquirir experiência, vc vai
longe. Pois tudo aquilo que você vê uma pessoa, um destque, fazer bem feito
hoje, é porque ela treinou muito, ensaiou muito para conseguir aquela
perfeição. Nada é pronto, tudo é conquistado, nada é do dia para a noite que
ela deu um ‘girinho’ e que ela conseguiu... a pessoa que quer ser boa, tem que
ensaiar, tem que se dedicar, tem que ser disciplinado, tem que ser
organizado... neste meu caminho eu conheci muitas pessoas organizadas, muitas
outras não organizadas e todas as que não eram organizadas não conseguiram o
sucesso.[...]”
Ao final da palestra ela agradeceu a
todas aquelas pessoas que a ajudaram, ao longo de sua carreira, citou alguns
nomes como o de Rosalina Conceição, Onira Pereira, Mario Nienow... Agradeceu
especialmente a sua mãe e parabenizou aos pais, mães e responsáveis pelos
alunos que estavam presentes, destacou quão admirável é a dedicação destes pais
em prol do desenvolvimento dos destaques.
[...] Quero agradecer a minha afilhada Simone Ribeiro, que hoje está a frente
deste projeto maravilhoso que é o Padedê do Samba... e lembro que não tínhamos
a quem recorrer, e quem nos ensinar, aprendíamos com a escola da vida... queria
eu ter esta oportunidade de ter tido esta oportunidades que os alunos tem
hoje... [...]
Para finalizar ela deu mais um
conselho aos que assistiam sua palestra, ela diz: “[...] Aproveitem as oportunidades... eu não deixei passar nenhuma na minha
vida. Todas as oportunidades que surgiram eu fui lá e fiz valer...[...]”.
Ramão Carvalho
Março/2015.